Contributo para a mudança da política para a cultura na cidade do Porto

A PLATEIA congratula-se pela normalização das relações com a Câmara Municipal do Porto e pelo anunciado fim de três mandatos marcados por uma permanente hostilidade da autarquia para com a cultura em geral e a criação artística em particular.

Ainda assim a PLATEIA vê com preocupação o quadro orçamental do município para 2014, na medida em que este não parece permitir que as opções políticas passem muito além das referidas e saudades declarações de boas intenções.

Na cidade do Porto, a cultura (e em particular a criação artística) parece continuar incapaz de se afirmar de um modo intrínseco, permanecendo numa absoluta dependência de links a outros valores como a economia, turismo, educação e mobilidade. Sem uma efetiva (leia-se orçamental) integração da cultura e da criação artística na “Marca Porto” esta nunca poderá projetar-se simbolicamente para lá desta geração, ficando na dependência de contingências diversas, nomeadamente a concorrência de marcas associadas a outras cidades

Exemplo maior desta desvalorização é a ausência de um “programa de teatro municipal”, aqui entendido enquanto um conceito de programação (e respetivos meios de produção) em que a cidade e o mundo se possam refletir. Repare-se que Lisboa tem neste momento 3 Teatros Municipais; e que o Porto está cada vez mais rodeado de cidades de menor dimensão e que apresentam sólidos investimentos na programação e nos Serviços Educativos, como por exemplo Braga e Guimarães. Esta é uma situação anómala no contexto das cidades médias europeias e que não se resolve com a mera abertura das portas dos edifícios aos produtores.

Ao longo dos próximos 4 anos a PLATEIA estará constantemente disponível para uma reflexão crítica e frontal acerca das opções politicas do novo executivo municipal, no âmbito da política cultural. E parece-nos que o melhor modo de iniciar este processo será uma análise sintética das variáveis que, no nosso entender, irão condicionar o (in)sucesso das opções políticas.

MUDANÇA DA POLÍTICA MUNICIPAL PARA A CULTURA

FORÇAS

Espaços: A cidade do Porto está dotada de variadísimos espaços e equipamentos adequados às mais diversas práticas performativas.
Qualificação: Ao longo das duas últimas décadas, a peculiar combinação entre as 4 escolas da cidade e o tecido produtivo gerou profissionais qualificados em todas as áreas das artes performativas.
Criatividade: Desde 2002 que os agentes do setor demonstram uma permanente capacidade para reinventar modos de produção, tendo mesmo estado na origem da explosão associada à indústria da noite na baixa do Porto (facto que nunca foi reconhecido pelo executivo municipal).
Resiliência: Grande parte dos projetos artísticos resistiram à passagem dos últimos 12 anos, acumulando um apreciável  capital de experiência, nomeadamente de resistência e transformação em contexto de crise.
Novo Pelouro da Cultura: Pela primeira vez em 12 anos, o Pelouro da Cultura da CMP está entregue a um Vereador com provas dadas no setor e a um adjunto com formação e experiência relevante para a tarefa a desempenhar.



FRAQUEZAS

Orçamento insuficiente: A dotação orçamental para a cultura não permite que a CMP se afirme como produtora e programadora. Esta dependência de estratégias alheias não possibilita que o Porto recupere o espaço em que se mostra ao mundo e em que convida o mundo para se apresentar.
Perda de legitimidade do setor: Depois de anos de sucessivos cortes (nacionais e locais) nos orçamentos para a cultura, o setor apresenta-se sem qualquer legitimidade para a opinião pública, nomeadamente para contribuintes e eleitores.
Desconhecimento do terreno: O novo Vereador e o seu adjunto não conhecem o terreno (organizações, indivíduos, espaços, dinâmicas) em que terão que intervir.
Tecido deprimido: O tecido profissional do setor foi-se degradando ao longos dos últimos anos por motivos diversos: Migração para Lisboa, passagem para a indústria audiovisual, desistência de projetos, reforma por velhice e morte.
Divisão radical entre paradigmas: As discussões públicas acerca da política cultural continuam divididas entre dois paradigmas radicais: um, mais à direita, que entende não ser a cultura, e em particular a criação artística, um bem público relevante; o outro, mais à esquerda, entendendo que as dotações orçamentais para a cultura têm de atingir 1% do orçamento de estado.


OPORTUNIDADES

Diálogo: O corte de ciclo político pode permitir um desanuviar de tensões e contribuir para uma efetica colaboração e legitimação mútua entre agentes e executivo municipal.
Abertura da geração mais jovem: Os agentes mais jovens, que chegaram à profissão em momento posterior ao Porto 2001, estão completamente disponíveis para novos tipos de realação com a CMP.
Integração (da Criação Artística) na Marca Porto: Se o Porto fosse a cidade da criação artística - e não somente da noite, do rio, do vinho,  da ciência, do FCP e do património - estariam lançadas condições para uma maior afinidade - a longo prazo - entre agentes e município.
Fundos Europeus 2014/2020: O aumento das dotações abre imensas possibilidades para o executivo. Os meios humanos para instruir candidaturas existem, bastará a vontade polítca de os afetar.
Recuperação da legitimidade: A atribuição de maiores meios e visibilidade a um “Serviço Educativo” poderia ser conseguida através da afetação de recursos de outras divisões municipais (educação, transportes) e sem que aqui se levantassem as resistências associadas ao apoio direito à criação artística. Mas os resultados contribuiríam para reforçar a legitimidade do setor, até ao fim do mandato, e reiniciar a recuperação sustentável dos públicos.

AMEAÇAS

Confusão entre programa e edifícios: A discussão da política cultural corre o risco de se afundar na mediatização das questões relacionadas com os edifícios afetos à prática teatral (Rivoli e Campo Alegre).
Estigmas envolventes: A massa crítica que envolveu a candidatura de Rui Moreira ainda reproduz os velhos estigmas associados à cultura e criação artística (subsidiodependência, elitismo, irrelevância).
Resistência da geração mais velha: Os agentes mais velhos parecem resistir a qualquer programa que não recupere o bem estar associado à década de noventa.
Pressão para decidir: O Vereador está pressionado, pela opinião pública e imprensa, para decidir, na medida em que a política para o setor foi anunciada como pedra de toque para a candidatura se demarcar do anterior executivo.

Mediatização dos casos concretos: Os agentes tenderão, de forma legítima, a abordar o pelouro com a urgência dos seus casos concretos e pessoais. Estes casos serão rapidamente mediatizados em função da proficiência dos agentes em termos de comunicação. E a necessidade de responder atomizadamente a estes apelos poderá deixar as opções estruturais para segundo plano